A Ghost Story e a Impermanência do Ser
Análise do filme ‘’A Ghost Story’’ (2017) de David Lowery
“A Ghost Story” (2017), longa dirigido por David Lowery, é um filme que mistura drama, fantasia e uma profunda reflexão filosófica sobre o tempo, a memória e a existência humana. O longa é marcado por seu ritmo lento e contemplativo e por sua abordagem minimalista e poética.
O filme começa apresentando um casal, C (interpretado por Casey Affleck) e M (interpretada por Rooney Mara), que vive uma vida tranquila em uma casa modesta nos arredores de uma cidade no Texas. C é um músico introspectivo e M parece insatisfeita com a vida na casa onde vivem. A relação entre os dois é silenciosa e íntima, marcada por momentos de ternura e também por uma certa angústia melancólica.
Tragicamente, C morre em um acidente de carro logo no início do filme. Após sua morte, ele retorna como um fantasma. Este fantasma, no entanto, está preso à casa onde viveu com M, incapaz de seguir em frente ou de se comunicar com ela. O filme força o espectador a confrontar a vastidão do tempo e a transitoriedade da vida humana.
Lowery opta por não utilizar o formato 𝑊𝑖𝑑𝑒𝑠𝑐𝑟𝑒𝑒𝑛 de tela, quase todo o filme se passa no formato 4:3, dando um toque especial onde podemos ver com mais detalhes e proximidade os cenários e as nuances de cada personagem. Temos uma sensação de confinamento com os personagens ‘’presos em uma caixa’’. Junto ao formato de tela, muitos planos do filme se passam em locais fechados como por trás de janelas, grades, portas e arcos, deste modo o cenário é utilizado um personagem ativo enclausurando aqueles em cena. O estilo de direção com seu formato de tela quase quadrado e o uso de cores suaves, reforça a sensação de confinamento e de nostalgia.
Esse filme é uma das representações mais belas e certeiras que já vi sobre a vida, morte, luto e o tempo. São poucos diálogos ao longo do filme pois diálogos aqui são dispensáveis. O ‘’não-dito’’ se torna o maior diálogo ao longo do filme. Toda a trilha sonora, jogo corporal dos atores e jogo de câmera fazem com que palavras não sejam necessárias para demonstrar os sentimentos em tela. Acompanhamos, no silêncio e na ausência o luto de um fantasma que observa a passagem do tempo e tenta a todo custo não se esquecer de quem foi e de sua antiga companheira.
À primeira vista, o que seria um filme sobre fantasmas é na verdade um poderoso ensaio sobre a solidão, o amor, o luto, a memória, a história e o tempo. Como dito, companhamos a jornada do personagem de Casey Affleck, um simples fantasma representado por um lençol com 2 furos nos olhos. Sem falar uma palavra, o personagens transborda sentimentos de melancolia, tristeza, raiva e angústia. A caracterização do fantasma por sinal é uma escolha genial do diretor, ao utilizar essa figura minimalista do fantasma, faz com que o telespectador, em sua cabeça, imagine as expressões e reações do fantasma, isso faz com que projetemos nossas próprias emoções nele, com base nos acontecimentos do filme.
O filme tem seu próprio ritmo, mais devagar, com planos longos. Podemos assim observar calmamente os personagens e suas emoções e ações; Seja uma viúva em seu luto comendo uma torta no chão da cozinha, em prantos; Seja um fantasma observando o mundo exterior pela janela de sua antiga casa; Seja esse mesmo fantasma em pé no canto da sala assistindo sua ex esposa seguir sua vida ao longo dos anos. A partir de determinado momento, no entanto, os planos começam a ficar mais curtos e a narrativa acelera, dando a sensação de que o filme se torna mais ágil, contrastando com os planos longos do início. Dessa forma, Lowery modifica nossa percepção do tempo.
O filme trata de maneira crua a passagem do tempo. Em um piscar de olhos os anos já se passaram, sem aviso prévio, sem informações na tela. A passagem do tempo fica visível pelos personagens que vêm e vão na cena, as teias de aranha nas lâmpadas antigas, os objetos da casa quebrados com o tempo, a tinta das paredes gasta pelos anos que se passaram e outros pequenos detalhes não menos importantes.
Nota-se que no filme as mortes são mostradas através de cortes de cena, nunca vemos o ato da morte em si. Por exemplo, vemos um plano que nos mostra que o acidente já ocorreu e olhamos apenas para o ato já consumado. A Ghost Story não é um filme sobre “como se morre”, mas um filme sobre como se processa a morte. Nessa proposta narrativa não é interessante saber sobre o ato da morte em si mas sim como aqueles envolvidos com a perda, a tragédia e o luto lidam com todos esses sentimentos.
O luto é uma jornada solitária que temos que passar sozinhos. É preciso esquecer para se lembrar e é preciso se lembrar para esquecer. Tudo que se foi, fica em nós. Todos que se foram, ficam em nós mas levam um pedaço nosso consigo. Nós não somos, nós estamos. Tudo é efêmero. Vário. Temporário. É contraditório como somos tão insignificantes perante a vastidão da existência e do tempo mas tentamos de todo modo deixar nossa marca no mundo para que não sejamos apagados pela finitude da vida. No fim, talvez o esquecimento seja inevitável, para quem vai e para quem fica.
“That’s what people do. They leave, they go away.”