O despreparo docente e a falta de inclusão escolar aos alunos neurodivergentes

Um ensaio sobre como contornar estas dificuldades

Vitor Amoroso
7 min readNov 12, 2023

‘’A expressão “neurodivergente” se refere a pessoas que têm um desenvolvimento ou funcionamento neurológico diferente do padrão esperado pela sociedade em geral. Neurodivergência é um termo amplo que inclui condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), dislexia e várias outras diferenças neurológicas que afetam o funcionamento cognitivo e comportamental

Segundo o último censo escolar (2022) 294.394 alunos com autismo cursaram os ensinos infantil, fundamental ou médio das redes pública e privada em 2021. A alta é de 280% se comparada a 2017, quando havia 77.102. Números que chamam a atenção, mas, segundo educadores e terapeutas, representam apenas uma parcela do universo que deveria frequentar a sala de aula — No Brasil, seriam mais de 2 milhões de pessoas, segundo estimativas.

Não existe um número oficial de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) no Brasil. Mas levantamentos feitos dentro e fora do país ajudam a entender a amplitude da neurodiversidade da população.

O Centro de Controle de Doenças e Prevenção dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), divulgou em dezembro de 2021 um estudo sobre a prevalência de TEA em meninos e meninas norte-americanos.

Uma a cada 44 crianças é diagnosticada com TEA aos 8 anos de idade nos EUA, um aumento de 22% em relação a 2020 — a proporção na pesquisa do ano anterior foi de 1 para 54. Ainda, o número de meninos com o transtorno é quatro vezes maior do que o de meninas.

Sobre o TDAH, a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) estima que 2 milhões de brasileiros adultos lidem com os sintomas do transtorno. A quantidade não é exata pois o transtorno ainda é subdiagnosticado no país. A inclusão de alunos neurodivergentes nas escolas apresenta desafios significativos, tanto para os próprios alunos como para os educadores e o sistema educacional em geral. Podemos citar alguns destes desafios:

Variedade de Necessidades: Cada aluno possui necessidades específicas, o que torna a adaptação do ensino desafiadora.

Barreiras de Comunicação: Alunos neurodivergentes podem enfrentar desafios de comunicação, o que pode dificultar a expressão de suas necessidades e sentimentos. Isso requer maior sensibilidade e compreensão por parte dos educadores.

Ambiente de Aprendizado Não Adaptado: As salas de aula tradicionais nem sempre são adequadas para alunos neurodivergentes, que podem ter sensibilidades sensoriais, dificuldades de atenção, entre outros. A falta de adaptações no ambiente pode ser um obstáculo.

Estigma e Bullying: Alunos neurodivergentes frequentemente enfrentam estigma e discriminação por parte de seus colegas, o que pode afetar negativamente sua autoestima e bem-estar emocional.

Interação Social: Alunos neurodivergentes podem ter dificuldades na interação social, o que pode levar ao isolamento e à exclusão por parte de outros estudantes.

Falta de Individualização: A falta de planos de ensino individualizados (PEI) ou de avaliações adequadas para determinar as necessidades de cada aluno neurodivergente pode prejudicar a inclusão eficaz.

Recursos Financeiros Limitados: A falta de recursos financeiros e apoio governamental suficiente para a educação inclusiva pode restringir a capacidade das escolas de atender às necessidades dos alunos neurodivergentes.

Os professores e as Escolas estão aptos para lidar com a neurodiversidade?

Infelizmente, não. Há um grande despreparo de professores e escolas para atuar na educação inclusiva de alunos neurodivergentes ou portadores de algum nível de deficiência. Este é um grande problema e que preocupa entidades educacionais aqui no Brasil. Com o passar dos anos a demanda de alunos com necessidades especiais vem aumentando mas o número de escolas e professores aptos não acompanha este crescimento, seja na rede pública ou privada. Muitas escolas não possuem o AEE, atendimento educacional especializado. Estima-se que em escolas públicas, apenas uma a cada cinco escolas oferecem o serviço.

O docente deve ter consciência clara do importante papel que desempenha ao iniciar o processo de inclusão de uma criança com necessidades educacionais especiais associadas ao autismo infantil. Um professor hábil pode abrir a porta para várias oportunidades: como cada criança com autismo processa a informação e quais são as melhores estratégias de ensino devido à singularidade de seus pontos fortes, interesses e habilidades em potencial.

É preciso repensar a formação de professores especializados, a fim de que estes sejam capazes de trabalhar em diferentes situações e possam assumir um papel-chave nos programas de necessidades educativas especiais. Deve ser adaptada uma formação inicial não categorizada, abarcando todos os tipos de deficiência, antes de se enveredar por uma formação especializada numa ou em mais áreas relativas a deficiências específicas

O professor deve desenvolver metodologias de aprendizagem para que o aluno autista consiga se comunicar e se desenvolver. O conteúdo do programa de uma criança autista deve estar de acordo com seu desenvolvimento e potencial, de acordo com a sua idade e de acordo com o seu interesse; o ensino é o principal objetivo a ser alcançado, e sua continuidade é muito importante, para que elas se tornem independentes

Podemos citar alguns dos motivos para este despreparo:

Falta de Formação Específica: Muitos professores não recebem formação específica em relação às necessidades de alunos neurodivergentes durante sua formação inicial. Como resultado, eles podem não estar cientes das estratégias de ensino, adaptações e abordagens pedagógicas necessárias para atender a esses alunos de forma eficaz

Abordagens Pedagógicas Padronizadas: Muitos sistemas educacionais ainda se baseiam fortemente em abordagens pedagógicas padronizadas, o que pode não ser adequado para alunos neurodivergentes, que frequentemente têm estilos de aprendizado distintos.

Falta de Recursos, investimentos e Apoio Adequados: A falta de recursos e pessoal de apoio nas escolas pode sobrecarregar os professores ao lidar com as necessidades adicionais de alunos neurodivergentes.

Necessidade de Individualização: Alunos neurodivergentes frequentemente requerem estratégias de ensino e adaptações individualizadas. Muitos professores não têm o tempo ou os recursos para criar planos de ensino personalizados.

Impacto no Desempenho dos Alunos: A falta de apoio e compreensão por parte dos professores pode ter um impacto negativo no desempenho acadêmico e no bem-estar dos alunos neurodivergentes.

Como podemos diminuir essa defasagem no Ensino e no acesso ao ensino especial/inclusivo?

Para enfrentar esse problema, é fundamental investir em programas de formação e desenvolvimento profissional para os professores, capacitando-os com as habilidades e conhecimentos necessários para atender às necessidades de alunos neurodivergentes. Além disso, é importante promover uma cultura de inclusão nas escolas, que reconheça e valorize a diversidade de habilidades e necessidades entre os alunos. O apoio de profissionais especializados, como psicólogos escolares e terapeutas ocupacionais, também é fundamental para oferecer orientação e apoio aos educadores.

Formação e Sensibilização: Ofereça formação regular e sensibilização aos educadores, para que compreendam as diversas condições neurodivergentes, suas características e necessidades específicas.

Avaliação Individualizada: Realize avaliações detalhadas para identificar as necessidades de cada aluno neurodivergente, de modo a criar planos de ensino individualizados (PEI) que atendam às suas necessidades específicas.

Adaptações Curriculares: Adapte o currículo e os materiais didáticos para acomodar diferentes estilos de aprendizado e necessidades. Isso pode incluir recursos visuais, auditivos e táteis.

Ambientes Inclusivos: Crie um ambiente de sala de aula inclusivo que considere fatores como iluminação, acústica, organização do espaço e necessidades sensoriais dos alunos.

Comunicação Clara: Utilize comunicação clara e direta, evitando jargões ou linguagem figurada que possa ser confusa para alguns alunos.

Suporte Individualizado: Ofereça suporte individualizado, seja por meio de terapeutas, psicólogos escolares, ou assistentes de sala, dependendo das necessidades do aluno.

Intervenção Precoce: Identifique e intervenha precocemente em desafios de aprendizado ou comportamentais, a fim de evitar complicações futuras.

Promoção da Autonomia: Ajude os alunos neurodivergentes a desenvolver habilidades de autoadvocacia e a tomar decisões informadas sobre seu próprio aprendizado.

Comunicação com Pais e Responsáveis: Mantenha um canal aberto de comunicação com os pais e responsáveis dos alunos neurodivergentes para entender suas perspectivas e preocupações, e trabalhe em parceria com eles.

A interação entre pais e professores é muito importante para o processo de aprendizagem da criança, pois juntas irão achar formas de atuação, a fim de favorecer o processo educativo eficaz e significativo na superação das dificuldades. Portanto, além de acolhedora e inclusiva, a escola precisa se constituir em espaço de produção e socialização de conhecimentos para todos os alunos, sem distinção.

A inclusão da criança neurodivergente deve estar muito além da sua presença na sala de aula; deve almejar, sobretudo, a aprendizagem e o desenvolvimento das habilidades e potencialidades, superando as dificuldades.

A educação é umas das maiores ferramentas para o desenvolvimento de uma criança autista. Através da educação, essa criança pode aprender tanto matérias acadêmicas quanto atividades do cotidiano. A aprendizagem destas crianças não é fácil, contudo fica evidente que, com dedicação e amor, estas crianças podem alcançar uma vida mais independente e com qualidade. Para que o aluno desenvolva suas habilidades, é necessária uma estrutura escolar eficiente, com preparo profissional de todos os envolvidos no processo educativo. Como o aluno tem dificuldades de se adaptar ao mundo externo, a escola deve pensar na adequação do contexto. Não existem apenas salas de aulas inclusivas, mas escolas inclusivas. Por isso, é necessário que a escola crie uma rotina de situação no tempo e no espaço como estratégias de adaptação e desenvolvimento desses alunos.

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Vitor Amoroso

Amante da Sétima Arte. Professor de História e algumas outras coisas.